28/07/2021
Texto: Silvia Bocchese de Lima | Foto: Bruno Tadashi
Foi para fugir da crise econômica,
social e da guerra
iminente, que o jovem
de 19 anos, Paulo Szpak
resolveu deixar a Ucrânia rumo ao
Brasil, em 1929. O país já era destino
de ucranianos desde o fim do século
XIX, quando o primeiro grupo chegou
ao Brasil, em Mallet, no Paraná,
em 1891. Desde então, até o início da
2ª Guerra Mundial, o país recebeu
mais de 56 mil imigrantes ucranianos.
Sozinho, Szpak instalou-se, inicialmente,
no alto do bairro Uberaba,
na região conhecida como Corte
Branco, e lá trabalhava para uma
família que fazia pequenos reparos
em residências. Com o dinheiro
que conseguiu economizar adquiriu
a madeira de imbuia de uma
casa desmanchada e a propriedade
onde, em maio de 1934, com
o apoio da esposa Júlia, instalou o
Armazém Santa Ana.
A tradicional casa de madeira,
sempre na cor laranja, encravada
na antiga estrada que liga Curitiba
a São José dos Pinhais, hoje Avenida
Salgado Filho, tem resistido ao
tempo, às mudanças de gestões, às
crises econômicas do país e às intempéries.
A estrada era ainda de chão batido,
os veículos que circulavam
por ela eram carroças puxadas
por cavalos e o Armazém Santa
Ana uma parada estratégica para
os hortigranjeiros que saíam de
São José dos Pinhais e seguiam para entregas, principalmente no
Bairro Batel, em Curitiba, onde
residiam os principais e mais abastados
clientes.
Na ida, uma pausa para dar água
aos cavalos, no retorno, ao fim da
tarde, nova parada no armazém
de secos e molhados, agora para
fazer um lanche, comprar mantimentos,
e seguir viagem. E não era
pouca coisa que se tinha à disposição
no local, de penico a panelas
de ferro, de vassouras e cadeiras a
tamancos de madeira, sem esquecer
das tripas secas, fermento, farinha
e da aveia Quaker.
Paulo Szpak falava o português
com fluência, mas nunca quis se
naturalizar brasileiro, era segundo
a neta Ana Szpak, um “homem
correto, íntegro e rígido”. Ela
conta que todos os dias, o avô se
preparava para o trabalho, sempre
de camisa social, regata branca
por baixo, gravata e calça social.
E era assim que ele, vez ou outra,
carregava o velho caminhão – de
carroceria de madeira e com partida
à manivela – com garrafas de
achocolatado e seguia ao litoral,
pela Estrada da Graciosa, para comercializá-los.
Na propriedade, que à época
tinha algo em torno de 15 mil
metros quadrados, eram criados
porcos e galinhas, utilizados para
a fabricação e comercialização de
salames, chouriços e ovos. Do parreiral,
produziam o vinho e o vinagre,
utilizado para produção do
pepino azedo.
O filho caçula do casal, Pedro,
formado em Engenharia Elétrica
e em Economia, ficou responsável
por cuidar dos pais e dar continuidade
aos negócios da família. Já
casado com Orlanda, teve quatro
filhos e ao assumir o comando
do armazém, ampliou a variedade
dos produtos ofertados e decidiu
deixá-los expostos na varanda –
prática mantida pelos sucessores
até hoje. Eram gaiolas, colchões
de palhas, sementes, peças de bicicletas,
ferramentas, móveis.
O local chegou a ganhar um slogan: Armazém
Santa Ana. O que vende
de tudo. “Aqui sempre foi comercializada
uma grande variedade de
produtos, mas temos clientes que
ainda nos surpreendem contando
que quando se casaram, o primeiro
colchão de casal, o de palha, foi comprado aqui.”, conta Ana, uma
das sócias do estabelecimento.
Foi com Pedro no comando que
foram implantados os primeiros
pratos quentes com receitas que
seguem à risca, até hoje, as receitas
ensinadas por Orlanda.
Ainda criança, os quatro filhos do
casal Pedro e Orlanda já começaram
a se inteirar dos negócios e
ajudar nas tarefas. Dois deles, Ana
e Fábio, hoje sócios, dividem as
funções de gerenciar o armazém.
Da inicial casa de madeira foram
criados novos salões, ampliada a
quantidade de mesas e os pratos
do cardápio.
Com a crescente concorrência dos
grandes mercadistas, o estabelecimento
procurou estabelecer um
diferencial e ofertar produtos, principalmente
derivados de laticínios
e embutidos, que não são encontrados
em outros lugares, além dos
pratos que são preparados pela terceira
geração de cozinheiras. “Minha
tia Orlanda ensinou as receitas
para a minha avó Mafalda, que
ensinou a minha mãe e depois a mim. Mantemos até hoje o mesmo
tempero, não mudamos nenhum
ingrediente. Até as carnes que compramos
cortamos aqui para manter
a qualidade, nosso padrão e segredos”,
conta a cozinheira Franciele
Peters Cunha.
Segundo Ana, são estes cuidados
e atenção que fazem o Pierogi de
Ricota com Linguiça Blumenau,
o Eisbein e a Carne de Porco os
carros-chefe do armazém.
Cada cliente do Armazém Santa
Ana tem um número de cadastro.
Quando o pedido chega à cozinha
e o número do cliente é conhecido,
o pedido sai personalizado
de acordo com as preferências
dele. “Nós sabemos os números
dos clientes e também do que
eles gostam. Alguns preferem de
acompanhamento a geleia de pimenta,
outros a pasta de alho, ou
até mesmo mais cheiro verde. São
detalhes que a gente pega com o
tempo e não precisa nem o garçom
avisar”, conta Franciele.
Fábio Szpak, um dos sócios e neto
do fundador, é o responsável por
preparar as compotas de pepino
azedo embebidos no vinagre de folha
de parreira, segundo a receita
do avô. Anualmente, de novembro a março, a iguaria é responsável
pela intensa procura dos clientes.
Religiosamente, há mais de cinco
décadas, Martin Ziebart, de 82
anos, percorre os 150 metros que
separam a casa dele do Armazém
Santa Ana, para buscar uma broa,
uma peça de queijo ou outra de
linguiça Blumenau. O freguês de
tantos anos viu o estabelecimento
passar pelas três gerações de
gestores, recorda com saudades
do ponto de encontro dos velhos
amigos que a pandemia afastou e,
espera ansioso, a possibilidade de
reuni-los novamente para colocar
a conversa em dia, tomando um
chope gelado.
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