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Seca. Geada. Fogo

O estado do Paraná foi marcado, em 1963, por um dos piores incêndios registrados no Brasil e no mundo. Cerca de 10% do território foi consumido pelo fogo.

12/05/2021

Texto: Silvia Bocchese de Lima

Um desastre climático.
O Paraná foi cenário,
em 1963, de um dos
maiores e mais devastadores
incêndios florestais do
mundo. A combinação de baixas
temperaturas, campos secos em
decorrência de intensas geadas,
forte estiagem, uso do fogo para
limpeza e ampliação de propriedades
e, até mesmo, queimadas
criminosas resultaram na destruição
pelas chamas de cerca de 10%
do território paranaense. Dos 166
municípios existentes à época no
Paraná, 128 cidades das regiões
Norte, Central e dos Campos Gerais
foram atingidas pelo fogo.

ACERVO MUSEU HISTÓRICO DESEMBARGADOR EDMUNDO MERCER JUNIOR

Em mensagem apresentada em
1964 à Assembleia Legislativa do
Paraná, pelo então governador Ney
Braga, foram recordados os fenômenos
que quase levaram o estado
ao colapso. De acordo com o documento,
o drama paranaense teve
início com as intensas geadas que
destruíram milhões de pés de cafés,
algo em torno de 30% dos cafezais,
reduzindo em mais de 70%
a safra daquele ano, causando um
prejuízo estimado em 15 bilhões
de cruzeiros. “Quando parecia superada
a crise, eis que se instala o fenômeno das sêcas, deixando de
se verificar a precipitação de chuvas
durante alguns meses, com efeitos
perniciosos à produção agrícola
e, até, à pecuária, além de impedir
o abastecimento das represas movimentadoras
de usinas hidrelétricas”,
trazia o documento.

DESTRUIÇÃO

A carta aos deputados estaduais
pontuava também que “quando
mais se faziam notar os males
da longa estiagem, eis que o fogo
inicia a sua terrível tarefa devastadora,
produto da imprudência de
alguns”. O fogo encontrou os fatores
ideais para sua propagação: seca prolongada e plantações mortas
pela geada. Com o auxílio dos
ventos, rapidamente as chamas se
propagaram, destruindo mais de
21 mil quilômetros quadrados de
área no estado. O documento atesta
que foram 110 os mortos, milhares
de pessoas feridas, cerca de 30
mil pessoas foram atingidas pela calamidade
e oito mil imóveis, entre
casas, silos e galpões foram destruídos
pelo fogo, além dos incontáveis
animais que foram mortos.
No livro Paraná: uma história, o
jornalista Diego Antonelli pontua
que foram devastados pelas chamas
mais de 20 mil hectares de
plantações, 500 mil de florestas
nativas e 1,5 milhão de campos e
matas secundárias.

ACERVO MUSEU HISTÓRICO DESEMBARGADOR EDMUNDO MERCER JUNIOR

Os números quanto às árvores
perdidas são imprecisos, mas para
se ter uma ideia da dimensão do
fogo e sua destruição, os documentos
oficiais do governo revelam
que foram consumidos pelas
chamas mais de 200 milhões de
árvores na região de Tibagi e que
cerca de 90% do município de
Ortigueira foi queimado.

ÁREAS RURAIS E URBANAS
FORAM ATINGIDAS
PELAS CHAMAS

No Relatório da Operação Anujá,
de 27 de setembro de 1963, o 1º
Tenente Osmar Pedrosa Finkensieper
relata que o Corpo de
Bombeiros da Polícia Militar do
Paraná foi acionado na cidade
de Paranavaí, no dia 9 de setembro
daquele ano para conter um
incêndio de grandes proporções.
“Constatamos que se encontrava
em chamas a firma Hermes Macedo
S/A, filial daquela cidade, que
ameaçava as lojas circunvizinhas”,
consta no documento.

REPERCUSSÃO

A destruição no Paraná, o desemprego,
problemas sociais e o contingente
de desabrigados foram
tamanhos que o governador Ney
Braga decretou, em 28 de agosto
daquele ano, estado de calamidade
pública. A repercussão na imprensa
brasileira e internacional resultou
no envio de profissionais de
saúde e de bombeiros, e no recebimento
de doações de medicamentos,
mantimentos, 30 toneladas de
roupas, maquinários agrícolas e de
recursos financeiros de diversos
estados e países. A campanha Socorro
ao Paraná em Flagelo, criada
pelo governo do estado, recebeu de
todo o mundo, mais de 245,2 milhões
de cruzeiros.

TRAGÉDIA FOI RETRATADA NA REVISTA O CRUZEIRO, DE OUTUBRO DE 1963

A revista O Cruzeiro trouxe imagens
e um balanço da tragédia
paranaense, na edição de 12 de
outubro de 1963, e destacou os
estragos provocados à indústria
Klabin, em Monte Alegre. “Suas
reservas de pinheiros e eucaliptos
foram violentamente atingidas.
Era impossível o contrôle das chamas,
apesar do serviço normal de
vigilância e combate a incêndios
mantidos pela firma e dos contingentes
do Exército, da Fôrça Pública e do Corpo de Bombeiros
que para lá se deslocaram. Cêrca
de 3.500 homens combateram as
chamas nessa área”, relata a reportagem
da época.

Acredita-se que após pedido de
ajuda do governador do Paraná,
mais de 10 mil voluntários auxiliaram
no combate ao incêndio.

HOSPITAL LUIZA BORBA CARNEIRO FUNCIONOU COMO UMA CENTRAL DE QUEIMADOS. ACERVO MUSEU HISTÓRICO DESEMBARGADOR EDMUNDO MERCER JUNIOR

QUEIMADOS

Segundo o diretor do Museu Histórico
Desembargador Edmundo
Mercer Junior, de Tibagi, Neri
Aparecido Assunção, o Hospital
Luiza Borba Carneiro, que havia
sido inaugurado em Tibagi, em
1960 e que estava fechado nos últimos
dois anos, foi adaptado para
funcionar como uma Central de
Queimados.

O médico Eugênio Carneiro, único
da cidade, começou o atendimento
aos feridos até o governo enviar profissionais
para auxiliá-lo. “Amanhã
seguirão médicos e enfermeiras da
Guanabara e médicos e enfermeiras
da embaixada americana para Tibagi”,
trazia o jornal Correio do Paraná,
de 10 de setembro de 1963, que
pontuava as resoluções tomadas no
atendimento aos feridos. Na mesma
edição do jornal a nota do Serviço
de Meteorologia de São Paulo informava
que “a frente fria que causou
fortes aguaceiros na Argentina
e no Uruguai está se deslocando
lentamente em direção ao norte do
Continente, devendo alcançar o Paraná
ainda hoje. Em Santa Catarina
já está chovendo”. A previsão da
chegada das chuvas sofreu atraso de
pelo menos uma semana, mas foi a
responsável por aplacar o fogo em
18 de setembro.

ACERVO MUSEU HISTÓRICO DESEMBARGADOR EDMUNDO MERCER JUNIOR

Onze equipes móveis foram preparadas
para iniciar a vacinação antitífica e antitetânica na população
de todos os municípios
atingidos pelo fogo.

O engenheiro agrônomo Armínio
Kaiser, em testemunho no livro
1963: o Paraná em chamas, de José
Luiz Alves Nunes, revela a face da
tragédia que mais o impressionou
enquanto fotografava os rescaldos
das geadas e do fogo: a miséria. “A
maior miséria foi depois do incêndio;
o êxodo rural dramático. Se
bem que a maioria das pessoas não se impressionou, porque a miséria
[do trabalhador] é normal”.

OPERAÇÃO SEMENTE

Elaborado por técnicos do governo
estadual, o Plano Operação
Semente foi composto por 55 agrônomos,
300 funcionários administrativos,
120 viaturas e 250 postos
de sementes e defensivos agrícolas. Cerca de 600 mil sacos de sementes
de algodão, arroz, feijão, batata
foram financiados aos agricultores paranaenses. “Foi dada orientação
técnica aos lavradores, com a finalidade
de diversificar suas lavouras
e adotar novas técnicas agrícolas e
pecuárias (…) Serão abertas novas
perspectivas ao homem do campo,
com a execução da programação
elaborada”, destaca a mensagem
aos deputados.

PÓS-INCÊNDIOS, O REFLORESTAMENTO Acervo Klabin

KLABIN

Referência no combate a incêndios
na Região dos Campos Gerais,
a Klabin criou um programa
de combate e prevenção a incêndios.
Em todo o estado, a empresa
conta com cerca de 520 brigadistas
treinados, incluindo equipes
de bombeiros, além de 65 vigilantes
que percorrem diariamente
todas as áreas da companhia com
motocicletas.

De acordo com dados enviados
pela Klabin, a empresa possui 21
torres de observação para as suas
florestas. “As torres de observação
de alguns municípios são compartilhadas
com outras empresas que
também possuem propriedades no
local, e ambas as empresas mantêm
uma parceria de monitoramento
das áreas”, destaca o documento.

A empresa também dispõe de aeronaves
para reforçar a logística de
confirmação de focos, transporte
de brigadistas florestais e extinção
de focos de incêndios. A Klabin
também faz uso de técnicas de
combate ao fogo e uso de dados
meteorológicos.

APRENDIZADOS

O grande incêndio que marcou
o estado do Paraná foi responsável
pelo desenvolvimento de uma
parceria entre o governo estadual
e empresas para a criação de um
sistema de alerta de incêndios
florestais.

Nunes destaca no livro que, após
uma década dos incêndios registrados
no Paraná, o engenheiro
florestal Ronaldo Viana Soares,
com base em dados fornecidos
pela Klabin, desenvolveu uma fórmula
que permite medir o risco de
incêndios em florestas: a Fórmula
de Monte Alegre. Para chegar ao
índice são analisados, por exemplo,
o número de dias sem chuva
e a umidade relativa do ar medida
às 13h. “Uma das constatações
que se chegou foi que as empresas
mais que os governos, assimilaram
muito rapidamente a necessidade
da prevenção, aprimoramento,
pesquisa e vigilância constante,
para evitar repetições como aquela
vivenciada em 1963”, enfatiza o
autor na obra.

 

Publicado por Silvia Bocchese de Lima

12/05/2021 às 23:47

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