NOTÍCIAS

Prazer, Enedina

A paranaense Enedina Alves Marques rompeu barreiras ao se tornar a primeira negra engenheira no estado e no Brasil.

06/09/2020

Texto: Silvia Bocchese de Lima

Ela desafiou padrões sociais
e acadêmicos. Em
plena década de 1940, em
uma Curitiba de pouco
mais de 145 mil habitantes,
Enedina Alves Marques ingressou
no curso superior
de Engenharia, na Faculdade
de Engenharia do
Paraná. Negra, filha de
pais pobres, separados e
mãe lavadeira, Enedina
entrou para a história ao
se tornar a primeira mulher
negra no Brasil a se
formar em Engenharia e
a primeira mulher a obter
esta certificação no
Paraná.

Nascida em janeiro de
1913, a caçula Enedina
foi a única filha mulher
do casal Paulo e Virgínia,
pais de outras cinco crianças.
Ainda na tenra infância e com
os pais separados, acompanhou
a mãe e os irmãos que foram morar
e trabalhar na casa da família
Nascimento.

Ana Crhistina Vanali, uma das
organizadoras do livro Os Nomes
da Placa: A História e as histórias do
monumento à Colônia Afro-brasileira
de Curitiba, a ser lançado pelo
Sesc PR, destaca que a residência
pertencia ao major e delegado
Domingos Nascimento Sobrinho, um incentivador dos estudos de Enedina. “Ela foi alfabetizada por
volta dos 12 anos de idade na escola
particular da professora Luiza
Netto Correia de Freitas.

 

Normalistas – 1930
(Crédito: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional)

Entre os anos de 1926 e 1932, fez o curso
da Escola Normal Secundária
juntamente com Isabel, a filha
do major. Ele lhe pagou o bonde
durante a formação como normalista
para que fizesse companhia
à filha”. Ana Crhistina ainda
revela que Nascimento faleceu
em 1958, e Enedina foi
uma das beneficiárias em
seu testamento.

Diário da Tarde, de 21 de junho de 1930.
(Crédito: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional)

VIDA ACADÊMICA

Depois da alfabetização,
ela buscou constantemente
a qualificação e
não parou de estudar.
Logo após se formar
Normalista, começou
sua carreira como professora
da rede pública
de ensino. O jornal Correio
do Paraná, de 16 de
junho de 1932, citava o
decreto de nomeação de
Enedina para “reger uma
das cadeiras do Grupo Escolar
da cidade de São Mateus”.

Ana Crhistina também informa
que Enedina foi professora nos
grupos escolares de Cerro Azul,
e no Barão de Antonina, em Rio
Negro, e na Escola Isolada do
Passaúna, em Campo Largo. “Em
1935, retornou a Curitiba, e foi
trabalhar na Escola da Linha de
Tiro do Juvevê. Seu regresso à capital
ocorreu para realizar o Curso
de Madureza, exigência da nova legislação”,
pontua a organizadora, explicando que esta era uma nova
determinação da lei vigente, para
capacitar, durante três anos, profissionais
para exercerem a função
de professor. Ela também foi proprietária
de uma escola particular,
cuja sede era localizada no Bairro
Juvevê, na capital paranaense.

Foi o gosto pelas ciências exatas
que fez com que a então professora
primária optasse pelo curso de
Engenharia, mas antes de ingressar
no curso superior frequentou,
nos anos de 1938 e 1939, o primeiro
curso de pré-engenharia,
uma espécie de pré-vestibular. Dos
100 alunos inscritos no primeiro
ano, apenas duas mulheres. Em
1939, das duas, somente Enedina
retornou ao preparatório. Neste
período, intercalava os trabalhos
diários como professora e doméstica
e o curso preparatório à noite.

Diário do Paraná, de 15 de dezembro de 1945.
(Crédito: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional)

O jornal Diário do Paraná, de 15
de dezembro de 1945, trazia a notícia
da colação de grau e a relação
dos formandos em Engenharia
pela Faculdade de Engenharia do
Paraná. Dos 33 formandos, a única
mulher era Enedina, na época
com 32 anos.

PROFISSIONAL

Após a formatura, a engenheira
passou a trabalhar na Secretaria
de Viação e Obras Públicas do Paraná
e permaneceu no órgão até a
aposentadoria, em 1962.

O presidente do Conselho Federal
de Engenharia e Agronomia,
Joel Krüger, enfatiza que Enedina
participou de importantes obras
no estado do Paraná, como o levantamento
topográfico da Usina
Capivari-Cachoeira (atual Usina
Governador Pedro Viriato Parigot
de Souza) – a maior central
hidrelétrica subterrânea do sul do
país –, trabalhou no Departamento
Estadual de Águas e Energia
Elétrica e participou da elaboração
do Plano Hidrelétrico do Paraná.
“À frente do seu tempo, atuou
no aproveitamento das águas dos
rios Capivari, Cachoeira e Iguaçu,
considerado um de seus maiores
feitos como engenheira. Seu reconhecimento
profissional foi
conquistado aos poucos. Com
competência liderou funcionários,
técnicos e engenheiros, além
de gerenciar grandes obras e trabalhos
burocráticos. Se em vida
conquistou respeito de seus pares,
esta pioneira da engenharia brasileira
merece ser reverenciada e
sempre lembrada, seja emprestando
seu nome a uma rua do bairro
Cajuru, em Curitiba, ou ao Instituto
de Mulheres Negras Enedina
Alves Marques”, ressalta Krüger.

HOMENAGENS

Em dezembro de 2019, o deputado
estadual Jorge Gomes de
Oliveira Brand, o Goura, apresentou
o projeto de Lei nº 973,
nominando o trecho da rodovia
PR-340, entre Cacatu e a Cachoeira
de Cima, no município de
Antonina, como “Rodovia Engenheira
Enedina Alves Marques”.
Em julho de 2020, o projeto foi
aprovado em segunda discussão e segue para sansão do governador.

No texto da justificativa, Goura
salienta que Enedina “foi uma
pioneira, uma mulher que estabeleceu
novos paradigmas e esteve à
frente do seu tempo. Não aceitou
os padrões sociais injustos e provincianos
de sua época. Sonhou e
ousou muito”, diz o documento.

O presidente do Conselho Regional
de Engenharia e Agronomia do
Paraná (CREA-PR), Ricardo Rocha
de Oliveira, lembra que desde 2006
o nome da engenheira está gravado
no Livro do Mérito do Sistema Confea/
CREA, em homenagem realizada
durante a 63ª Semana Oficial
da Engenharia e da Agronomia.
“Sua memória é lembrada em todo
o estado e no país, também como
membro da Associação Brasileira
de Engenheiros e Arquitetos do
Brasil e do Instituto de Engenharia
do Paraná”, enaltece Oliveira.
Enedina faleceu em Curitiba,
aos 68 anos de idade, em agosto
de 1981.

Publicado por Silvia Bocchese de Lima

06/09/2020 às 11:56

Veja também
©2024 • Fecomércio PR. Todos os direitos reservados

Este site utiliza cookies para aprimorar sua experiência na navegação, bem como auxiliar nossa capacidade de fornecer feedback, analisar o uso do nosso site e ajudar a fornecer informações promocionais sobre nossos serviços e produtos. Para mais informações, por favor visite nossa Política de Privacidade.