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História impressa

Responsável pela ascensão da arte gráfica no estado, a Impressora Paranaense ainda é lembrada por seu pioneirismo, sobretudo na impressão de rótulos e embalagens de produtos

08/06/2020

Texto: Isabela Mattiolli |  Fotos: Ivo Lima, Murilo Ribas e Acervo Museu Paranaense

Rótulo de erva-mate

Um dos mitos mais conhecidos
da Antiguidade
Clássica é a do
ambicioso Rei Midas,
àquele que, por dom ou maldição,
tudo o que tocava transformava-se
em ouro. Tal qual Midas, o legado
de Ildefonso Pereira Correia, o
Barão do Serro Azul, reluziu para
além do Paraná e de sua produção
primeira, a erva-mate.

Foi como ervateiro, que Ildelfonso
investiu na antiga Typographia Paranaense
– fundada em Curitiba por
Cândido Martins Lopes, em 1854,
administrada por seu filho, Jesuíno
Martins Lopes, desde 1875. Com
a sociedade estabelecida em 1888,
nascia a Impressora Paranaense
(IP), que se tornaria um marco para
a arte gráfica no estado.

No fim do século XIX, a erva-mate
era a principal matéria-prima de exportação
e valor comercial. Foi neste
período, que o produto passou a
ser armazenado em barricas de pinho,
e os rótulos ganharam espaço,
com cores, desenhos, e o requinte
que a técnica litográfica permitia.

Barão do Serro Azul – Acervo MUPA

O Barão do Serro Azul, com sua
veia empreendedora, uniu-se a Lopes, dobrando seu capital e adquirindo
novos equipamentos. Por
este feito, além de ser considerado
o patrono do comércio, ganhou
o título de pai das artes gráficas
no Paraná. A empresa, à época,
funcionava na Rua Riachuelo esquina
com a Carlos Cavalcanti,
onde atualmente funciona o Cine
Passeio.

Após a trágica morte do Barão,
fuzilado no quilômetro 65 da
Serra do Mar, em 20 de maio de
1894, coube à Baronesa do Serro
Azul, Maria José Pereira Correia,
as ações do marido. Em 1897, o
catalão Francisco Folch, também
pioneiro na arte litográfica no estado,
arrendou a Impressora Paranaense
e, em 1902, comprou as
ações da Baronesa.

O patriarca Max Schrappe – Acervo MUPA

Um dos principais concorrentes
de Folch, o alemão Max Schrappe,
foi convidado pelo próprio litógrafo
a entrar no negócio. Em 1912,
a razão social da empresa passou a
ser Folch, Schrappe & Cia, mantendo
o nome fantasia de Impressora
Paranaense.

O LEGADO DE MAX SCHRAPPE

Max Schrappe chegou ao Brasil
em 1891, após desembarcar do
navio Valparaiso, que partira de
Hamburgo, Alemanha. Um parente
de sua mãe residia em São
Bento – atualmente São Bento do
Sul, em Santa Catarina, e foi para
lá que o jovem se dirigiu em busca
de uma vida nova. Depois de
trabalhos sem sucesso como guarda-
livros em Santa Catarina e também
em Curitiba, Schrappe retornou
à terra natal, onde casou-se.
De volta ao Brasil, ele e a esposa
Olga, mudam-se para Papanduva,
cidade catarinense, onde montam
uma pequena litografia voltada à
fabricação de cartas de baralho.

Segunda edição do jornal O Dezenove de Dezembro, impresso pela então Typographya Paranaense – Acervo MUPA

Durante a Guerra do Contestado
(1912-1916), o conflito entre
o Paraná e Santa Catarina não
permitia a livre circulação de mercadorias
entre os estados. Com
uma produção mais diversificada,
atendendo também clientes paranaenses,
Max abriu uma filial em
Curitiba, no Recreio Cruzeiro,
denominada M. Schrappe e Cia,
e os ervateiros faziam parte do rol
de clientes.

Em 1914, Max Schrappe viajou à
Alemanha em busca de um novo
sócio de capital. A viagem, além
de ter sido em vão no viés comercial,
já mostrava as faces amargas
da primeira Guerra Mundial
(1914-1918). “Do hotel Avenida,
onde me hospedava, fui imediatamente
ao escritório da Companhia
Costeira comprar passagem.
Como eu havia chegado num
sábado, foi-me impossível trocar
o dinheiro alemão, em ouro, por
moeda brasileira. Todavia, eu imaginava
que a Companhia Costeira
aceitaria ouro como pagamento.
Para minha decepção o funcionário se recusou a aceitar o ouro
alemão, dizendo, inclusive, que se
fosse inglês não haveria nenhum
problema. Apesar de minha indignação,
pois ouro é sempre ouro,
de nada adiantou dialogar com o
funcionário”, escreveu Schrappe
em seu diário mais tarde registrado
no livro Max Schrappe: Minha
Vida Mein Leben, escrito em alemão
gótico, editado e traduzido
pelos netos Max Heinz Gunther
Schrappe e Werner Egon Schrappe,
respectivamente.

Filial de Max Schrappe no Recreio do Cruzeiro, instalada em 1910 – Acervo MUPA

No registro, Max Schrappe fazia
referência à campanha de descrédito
que já existia em relação à
Alemanha. A guerra eclodiu três
meses após o desembarque no
Brasil, trazendo outros problemas
como a escassez de material.
No mesmo período, o empresário
teve que enfrentar outros dilemas
como o desentendimento de seus
sócios e as dívidas que só aumentavam.
Foi nestes anos que a sociedade
com Ernesto Mendel, foi
firmada.

Sede da IP na Rua Comendador Araújo – Acervo MUPA

Os negócios começaram a melhorar
a partir de 1916. “Em 1917 faleceu
Folch, depois de um curto
período de doença. Poucos anos
depois, seguiu-o Annibal César
da Rocha. Nosso contrato já havia
cessado em 1917. A empresa,
desde essa época, teoricamente
não existia mais (…) foi nessa época
que surgiu a ideia de assumir a
Impressora sob minha firma individual,
processo o qual foi concretizado
com uma atitude arriscada,
mas absolutamente necessária,
forçada pelos próprios acontecimentos”,
escreveu Schrappe.

Setor de transportes e provas na sede da Rua Comendador Araújo – Acervo MUPA

Porém, o feito ocorreu, de fato,
apenas em 1922 “com dívidas e hipotecas
até o teto”, como registrou
o empresário a punho, com a denominação de Max Schrappe. Nos
anos seguintes, as dívidas foram
gradualmente sendo liquidadas,
primeiro com o London & Brazilian
Bank (1925), com a Schack
& Co. (1927-1928), com as viúvas
de Folch e Rocha, com os sócios
anteriores, além de outros débitos
referentes a compras de maquinário,
hipotecas, entre outros.

Dois anos antes, como a filial de
Joinville – administrada pelo irmão
de Max, Oscar, não surtia
mais resultados, foi fechada e as
cinco máquinas litográficas rápidas
foram levadas para a capital
paranaense, colocando a Impressora
à frente da concorrência, até
então encabeçadas pelas gráficas
Progresso e A. Henkel.

A partir de 1929, após uma viagem
de férias à Alemanha, na companhia
da esposa Olga e do filho Max
– este último para especializar-se na
Academia de Artes Gráficas de Leipzig,
Schrappe demoliu a casa localizada
na Rua Comendador Araújo.
A nova construção contemplava
os escritórios na parte inferior e a
casa da família acima. O espaço
dedicado ao trabalho foi ampliado,
com novas máquinas, inclusive
para a fabricação de clichês, para
jornais e revistas.

Os filhos do empresário, Max
Schrappe Junior, Werner Schrappe
e Oscar Schrappe Sobrinho,
que já exerciam funções na IP
foram assumindo os negócios da
família. “Sob essa liderança jovem
e firme, a organização prosperou
de maneira tão positiva que pude
tranquilamente e sem hesitações,
aproveitar um pouco a minha
vida, sem precisar me incomodar
com os negócios”, como consta o
último registro feito pelo patriarca
em seu diário.

SOCIEDADE ANÔNIMA
E NOVA SEDE

Em meados de 1940, a Impressora
tinha galgado um espaço importante
no mercado, atendendo a
clientes do Paraná, Santa Catarina,
Rio Grande do Sul, São Paulo,
Rio de Janeiro e, mais tarde, estados
das regiões Norte e Nordeste.
Foi neste período que a empresa
foi transformada em Sociedade
Anônima, recebendo a denominação
de Impressora Paranaense
S/A, sendo presidida por Oscar
Schrappe Sobrinho e tendo os
irmãos como membros da diretoria.
Ao patriarca, coube o cargo de
presidente honorário.

Nesse período, para atender ao leque
de clientes, a empresa expandiu,
montando filiais em São Paulo
e Blumenau (SC). A matriz, em
Curitiba, foi transferida para o casarão
construído durante a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945), na
Rua Comendador Araújo, nos números
107 e 109, o primeiro para
a entrada da fábrica e, o segundo,
para a residência da família.

Foi ali que Max Schrappe faleceu
em 1942, aos 68 anos de idade.
Os filhos que já comandavam a
empresa deram sequência a seu
legado. “Esse endereço é onde,
atualmente, funciona o Banco
Santander e compreendia também
o terreno onde foi construído
o Shopping Crystal. Olhado
de cima, ainda dá para ver o gabinete
do meu pai [Oscar]. A parte
superior era residência do meu
avô [Max]. E em baixo os escritórios”,
orienta Max Heinz Gunther
Schrappe, 86 anos.

Também foi no casarão, que na
madrugada do dia 19 de março de
1944, um grupo de manifestantes contra a frente Alemã na Guerra,
depredou o espaço, causando prejuízos
à Impressora Paranaense.
“Não quebraram nada em cima
porque meu pai fiou com uma régua
de alfaiate protegendo o lugar.
Espalharam papeis pela Rua Comendador
inteira, jogaram areia nas máquinas, muita coisa foi perdida”,
conta Max H. G. Schrappe.

“Lembro-me de ter visto a edição de
um jornal, no dia seguinte, com a
manchete: ‘Extraordinária manifestação
de civismo’, em referência aos
atos que, assim como empreendimentos
de alemães, também foram
feitos em outros de japoneses e italianos.
Tamanho era o absurdo, que
a reportagem também trazia a fala
de um empresário turco que tinha
uma loja chamada Musseline, em
referência ao tecido, que também
foi saqueada ao ser confundida com
o Mussoline, do Partido Nacional
Fascista, da Itália, os quais, assim
como a nossa família, nada tinham
com a guerra”, lamenta Werner
Egon Schrappe, 75 anos, neto de
Max Schrappe e filho de Oscar S.
Sobrinho.

Além das guerras, da escassez de
material provocada pelas mesmas,
a empresa enfrentou ao longo de
sua trajetória outros problemas
como a falta de comunicação, que
nos primeiros anos era toda feita via
telégrafo e pelos Correios. “Tinham
pedidos que demoravam seis meses
para ficar prontos. Um desenhista
ia até o cliente, fazia um esboço do
que ele queria, aí ia para a gravação,
a aprovação do material e a entrega”,
rememora Max H. G. Schrappe,
em referência a todas as etapas
do processo da litografia.

Almanaque organizado por José Gonsalves Moraes e impresso pela IP

Outro impasse era a importação
de todo o material: de maquinários
aos papeis utilizados. “Como
se não bastasse toda a matéria-prima
vir de fora, muitos litógrafos
também eram contratados da Alemanha,
da Suíça e de outros países
da Europa, para exercerem as
atividades na Impressora. Por esse
motivo, a empresa serviu como
escola de muitos profissionais do
mercado, inclusive, que saíam da
nossa oficina e abriam concorrência”,
conta Werner E. Schrappe.

Já como líder do mercado de embalagem
em papel-cartão no Brasil
e sob o comando da terceira geração
dos Schrappe, em 1972 foi
iniciado o projeto de expansão e
modernização das instalações industriais
de Curitiba, com o parque industrial localizado no bairro
Xaxim.

CENTENÁRIO

Em 1988, a empresa já centenária,
era presidida por Dieter Helmuth
Schrappe, filho de Max Schrappe,
seus sobrinhos, os irmãos Werner
Egon Schrappe, diretor financeiro
e de recursos humanos, e Max Heinz Gunther Schrappe, vice-
-presidente do Conselho, somando
mais de 1.500 funcionários e
faturamento de 3,8 milhões de
dólares por mês.

Nesses anos dedicados a impressão
gráfica e a embalagens, a Impressora
foi responsável por atender
empresas de todas as regiões
do país, de segmentos variados e
de diferentes escalas. De ervateiros
a cervejeiros, de rótulos a etiquetas,
passando por envelopes
timbrados, papéis-carta, apólices
do estado ou do município, títulos
de valores, cheques, diplomas,
mapas cartográficos, cartões-postais,
entre outros.

Diploma impresso pela IP – Acervo MUPA

Entre as empresas clientes destaque
para a Fábrica de Fósforos
Pinheiro; as cervejarias Atlanctica,
Cruzeiro e Providência; as Balas
Zequinha; Todeschini; os Chiclete
Ploc; Toddy; Nescau; Knorr; Serenata
de Amor; Hellmann’s; Maizena;
Nescafé; Kolinos, entre outras.

O FIM DE UMA ERA

Em 1996, a empresa foi adquirida
pela multinacional Dixie Toga,
fabricante de embalagens e rótulos.
Dois anos depois, ainda com
o nome de Impressora Paranaense,
associou à norte-americana
Bemis e construiu uma unidade
em Londrina, a Ipat Bemis. Em
2012, a empresa fechou a unidade
de Curitiba, que contava à época
com aproximadamente 400 funcionários.

“A empresa chegou a somar 116
sócios, o negócio ficou insustentável.
Pensando que o ramo gráfico
não é tão rentável assim. Uma
parte pequena desse grupo, entre
eles eu e o meu irmão Max, queríamos
a continuação da empresa,
mas não houve consenso com
a maioria. Foi uma pena”, comenta
Werner E. Schrappe.
“Embora, para mim, a unidade
de São Paulo ia muito bem,
obrigado”, completa o irmão,
Max H. G. Schrappe.

Max H. G. Schrappe e Werner Egon Schrappe

Em 2015, o Museu Paranaense
(Mupa) na exposição Indústrias
Paranaenses, preservou
objetos importantes da trajetória
de sete companhias do
estado, entre elas a Impressora
Paranaense. O maquinário
de 1988, feito sob encomenda
e trazido da Alemanha, foi um
dos itens que fizeram parte da
exposição, tendo sido doado
ao Mupa para que as futuras
gerações tivessem conhecimento
da importância histórica
da empresa. Um tour virtual
da exposição pode ser feito pelo
site do Museu, mantendo viva a
memória da IP.

Publicado por Silvia Bocchese de Lima

08/06/2020 às 21:05

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