07/10/2021
José Pastore 1
Em trabalho recente, Luís Guilherme Schymura e Fernando de Holanda Barbosa Filho alertam para a urgente necessidade de se ampliar e aperfeiçoar os programas de qualificação profissional para tornar os trabalhadores brasileiros mais produtivos e mais bem remunerados. Para tanto, eles fazem uma análise dos programas que vêm dando certo e os que fracassaram no exterior e no Brasil. 2
Fernando Holanda fez uma extensa revisão da literatura internacional sobre os chamados “programas ativos de mercado de trabalho”, cujo principal foco é a qualificação e requalificação dos trabalhadores. Vários estudos mostram impactos bastante positivos desses programas. Um deles mostrou que os rendimentos dos brasileiros que cursaram escolas técnicas ganham 12,5% mais do que fizeram apenas o curso médio convencional.3 Outros estudos realizados com egressos do SENAI e SENAC 4 mostram que eles se colocam mais depressa no mercado de trabalho, ganham mais do que a média nos profissionais de sua categoria, têm menos rotatividade e amargam menos o desemprego quando comparados a trabalhadores que não passaram por programas de qualificação profissional.
Mas, nem todo programa de qualificação profissional tem o mesmo impacto. Entre 2011-16, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC – atendeu 9,7 milhões de jovens a um custo de R$ 38,5 bilhões. Utilizando os dados do CAGED com uma metodologia rigorosa, Barbosa Filho e colaboradores mostraram que o referido Programa não teve impacto sobre a empregabilidade e a renda dos seus egressos. As empresas não tiveram interesse em contratar egressos do PRONATEC.5
A variante do PRONATEC que recebeu o nome de SUPER-TEC teve a participação das empresas na definição das habilidades a serem trabalhadas nos treinamentos. Os jovens que participaram do SUPER-TEC entre 2014-15 tiveram um aumento de empregabilidade de 8% e 16%, respectivamente. Isso mostra que a participação das empresas é essencial para definir a demanda e os objetivos a serem trabalhados nos programas de qualificação profissional.
Ou seja, o alinhamento da oferta com a demanda é fundamental. Mais do que isso. Para dar certo, a formação profissional precisa combinar aluno interessado em aprender, empresa disposta a contratar e professores com competência para ensinar, lembrando sempre que o alvo a ser atingido é móvel e se modifica de acordo com a conjuntura econômica e com as tendências de modernização tecnológica e formas de produzir e vender. Isso vale tanto para treinamentos de curta duração como para os mais longos que abrangem a formação profissional.
A pontaria é essencial nos dois casos. Daí a importância de se estabelecer uma íntima interface entre as empresas (demanda) e as escolas (oferta). É ilusório pensar que, nesse caso, a oferta induz a demanda. Pode-se oferecer treinamentos sofisticados e com boa qualidade didática. Mas, se não há demanda para os egressos, os recursos ficam perdidos. Excepcionalmente, a aquisição de uma nova habilidade pode levar o egresso a empreender uma atividade e nela trabalhar como empreendedor, por conta própria. Essa é uma área em que o SEBRAE vem trabalhando com relativo sucesso.
A lição aqui é muito clara, como dizem Claudio Moura Castro e Luís Norberto Pascoal. 6 Da mesma forma que um curso não pode ignorar a demanda do mercado, tampouco pode deixar de considerar os interesses, as motivações e as aspirações dos alunos. Não se deve ignorar os planos de vida dos adolescentes e também dos adultos que entram em cursos de treinamento ou qualificação profissional. Perde-se tempo e recursos quando se recruta jovens sem qualquer interesse em profissionalização. Quando os próprios alunos pagam pelo treinamento de curta duração ou por uma qualificação mais longa, o interesse pelos cursos é bem mais alto. Mas, a esmagadora maioria dos alunos não tem condições para esses gastos. O interesse e a vocação têm de ser avaliadas sem a regra do pagamento.
Qualificação profissional exige um equilíbrio dinâmico entre escola, aluno e empresa. Os benefícios devem ser positivos para os três. Instrutores, alunos e oportunidades de trabalho devem estar na mesma área geográfica.
No Brasil, as escolas do Sistema S conversam com as empresas e os candidatos a alunos têm fontes de informação adequadas para tomar decisões dentro de áreas geográficas onde há demanda por certos tipos qualificação.
No caso das escolas do Sistema S, essas regras veem sendo observadas com sucesso e os resultados são claros. Os egressos de cursos técnicos têm, em média, uma elevação de 18% em seus rendimentos. 7 Há estudos em que a renda dos egressos de cursos do SENAC e do SENAI chega a ser 37% maior do que a dos trabalhadores que não passaram por esse tipo de treinamento. 8
Em pesquisa realizada em 2016, 80% dos egressos dos cursos do SENAC indicaram ter melhorado o seu desempenho no trabalho; excluindo os egressos que ficaram fora do mercado de trabalho por opção, cerca de 70% estavam tralhando; e 95% dos empresários que empregam egressos recomendariam os cursos do SENAC para outros empregadores. 9
Para 89% dos empresários, o SENAC é uma escola-referencia para qualificação profissional e os cursos atendem as necessidades de suas empresas.
Do lado dos egressos, igualmente, 87% reconhecem a alta qualidade do ensino recebido. 10 Não é à toa que as escolas do SENAC são valorizadas pelos alunos, empresários, famílias e sociedade em geral.
No caso do SENAI, 60% dos ex-alunos estão colocados no mercado de trabalho; 95% das empresas preferem contratar técnicos formados por essa escola; 8,6 é a nota de satisfação das empresas com os ex-alunos; 9,0 é a nota de satisfação dos próprios ex-alunos com os cursos que fizeram; 99% dos egressos indicariam os cursos do SENAI para seus amigos e familiares.11
O mesmo pode ser dito do impacto da assistência prestada pelo SESC e SESI, tanto no nível individual como das empresas. 12 Essas entidades desenvolvem trabalhos de especial relevância para a prevenção de acidentes, proteção da saúde dos trabalhadores e de seus familiares; cuidados na gestação, educação infantil, fundamental e de nível médio; assistência média e odontológica para crianças e adultos; assim como atividades esportivas e culturais dos mais variados tipos, que compõem o trabalho de formação e melhoria do capital humano dos brasileiros. A melhoria do capital humano, gradualmente, colabora para a melhoria da qualidade do trabalho e da própria produtividade.
Além da demanda por habilidades cognitivas, tanto na indústria como no comércio e serviços aumenta cada vez mais a demanda por habilidades sócio emocionais que permitem às pessoas trabalhar em grupo, exercer liderança, tratar os colegas e os consumidores com cortesia e respeito e cultivar, em última análise, a boa ética do trabalho. As habilidades sócio emocionais resultam da ação integrada das escolas do Sistema S onde os valores humanos e a ética do trabalho são explicitamente cultivados. Essa ação reflete, em grande parte, os valores dos próprios empresários. Não se conhece empresários de sucesso que não cultivem esses valores, que desrespeitam os consumidores ou que trabalham de forma desleixadas e em ambientes desorganizados. Em outras palavras, o “ethos” das entidades educativas e sociais do Sistema S decorre da intima interface entre as empresas e as escolas. Isto também conta muito para a produtividade.
Em suma, a educação é um ativo estratégico para a produtividade e a competitividade brasileiras. A chave do sucesso das escolas está na boa qualificação e boa dedicação dos professores na sala de aula e ainda de alunos interessados e uma prospecção bem rigorosa sobre a demanda das habilidades em treinamento.
1 Professor da Universidade de São Paulo e Consultor da CNC – Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. E-mail: j.pastore@uol.com.br; Site: www.josepastore.com.br. Este artigo expressa apenas as ideias do autor e não da CNC e foi inicialmente divulgado entre os Presidentes das Federações do Comércio do Brasil e diretores das entidades de promoção social e formação profissional do comércio (SESC e SENAC).
2 Luiz Guilherme Schymura, “Politicas que facilitam o ingresso no mercado de trabalho brasileiro”, Carta de Conjuntura, Rio de Janeiro: FGV/Conjuntura Econômica, 3/8/2021.
3 Citado por Schymura, op. cit.
4 O SENAR, igualmente, tem qualificado trabalhadores em diversas tecnologias químicas, biológicas e mecânicas usadas no setor agropecuário assim como tem proporcionados treinamentos rápidos referentes a técnicas especificas.
5 Fernando de Holanda Barbosa Filho e colaboradores, Pronatec: Uma Avaliação Inicial sobre Reinserção no Mercado de Trabalho Formal, Rio de Janeiro: FGV/IBRE, 2015.
6 Claudio de Moura Castro e Luís Norberto Pascoal, Cuidando dos que sobraram: uma proposta, no prelo, 2021.
7 “Curso técnico aumenta renda média do trabalhador em 18%”, Brasília: Estudo do SENAI, 2018.
https://incisaimam.com.br/curso-tecnico-aumenta-renda-media-do-trabalhador-em-18-diz-estudo-do-senai/
8 Edson Roberto Severnini e Verônica Inês Fernandez Orellano “O Efeito do Ensino Profissionalizante sobre a Probabilidade de Inserção no Mercado de Trabalho e sobre a Renda no Período Pré-PLANFOR Brasil, Revista Economia, Janeiro/Abril 2010
http://www.anpec.org.br/revista/vol11/vol11n1p155_174.pdf
9 Pesquisa de avaliação de egressos do SENAC, Rio de janeiro: SENAC – Departamento Nacional, 2016.
10 Eládio Prado, “O vínculo entre formação e emprego: experiências e desafios”, SENAC, São Paulo: OIT-CINTERFOR, 2014 https://www.oitcinterfor.org/sites/default/files/SENAC-pt_panel_v.pdf
11 “Na vanguarda da educação, SENAI avalia competências sócioemocionais de alunos”, Brasília: SENAI, 2018, https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/educacao/na-vanguarda-da-educacao-senai-avalia-competencias-socioemocionais-de-alunos/
12 Thais Waideman Niquito e colaboradores, “Avaliação de Impacto das Assistências Técnicas do Sistema S no Mercado de Trabalho”, Revista Brasileira de Economia, 72 (2), 196–216, 2018.
13 Gustavo Ioschpe, “Seminário Competitividade” – Estadão, 20/11/2013.
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