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A tentativa de segunda facada no Sistema S

Por Edvaldo Nilo de Almeida* Em dezembro de 2018, o ainda postulante ao cargo de Ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que teria que “meter a faca no Sistema S. Se o interlocutor é inteligente, preparado e quer construir, como o Eduardo Eugênio corta 30%. Se não, corta 50%”[1]. Agora, o secretário de Política Econômica […]

30/07/2021

Por Edvaldo Nilo de Almeida*

Edvaldo Nilo de Almeida. FOTO: DIVULGAÇÃO

Em dezembro de 2018, o ainda postulante ao cargo de Ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que teria que “meter a faca no Sistema S. Se o interlocutor é inteligente, preparado e quer construir, como o Eduardo Eugênio corta 30%. Se não, corta 50%”[1]. Agora, o secretário de Política Econômica do mesmo Ministério, Adolfo Sachsida, afirmou, novamente, na última sexta-feira, 23, que é necessário “passar a faca no Sistema S”[2]. Na verdade, as tentativas de alterações, em regra momentâneas, de acordo com a conveniência e a oportunidade de determinados dirigentes políticos ou ocupantes temporários de cargos de confiança, estão de encontro a instituições historicamente sólidas que prestam um bom serviço à sociedade brasileira, além de contrariar ainda, por exemplo, no âmbito federal, o controle externo exercido pela estrutura do Poder Executivo, em especial pelo Ministério afeto à área desenvolvida pela entidade e pela Controladoria-Geral da União. Esse controle, entretanto, não autoriza o Poder Executivo a interferir na gestão dos serviços sociais autônomos nem se traduz em hierarquia sobre os administradores da entidade. No controle interno, as entidades do sistema “S” dispõem de uma complexa e rigorosa estrutura de fiscalização interna, que passa pela inspeção exercida pelo Conselho Nacional e pela Comissão de Contas na elaboração dos orçamentos anuais e culmina nas estruturas internas de comitês de ética, gerências de governança e compliance e ouvidorias, a depender da regulamentação da entidade. Todo esse controle verifica a observância dos princípios gerais que norteiam a execução da despesa pública e os princípios administrativos decorrentes da isonomia, da moralidade, da impessoalidade e da publicidade do dispêndio dos recursos públicos, nas contratações e na seleção de pessoal.

Por outro lado, a existência de entidades do serviço social autônomo, com personalidade jurídica de direito privado, que cumpram os requisitos de criação por lei, destinando-se à concretização de um fim social e prestando serviços de interesse de toda a sociedade, significa a disponibilização de um instrumento de garantia institucional da sociedade, porque implica na criação de uma estrutura organizativa e procedimental que busca a universalização dos direitos sociais. Justamente em virtude da necessidade de proteção dos direitos sociais é que exsurge, por exemplo, a questão da proibição constitucional do retrocesso social, de modo a restringir a atuação legislativa que possuam como resultante a redução da proteção social concedida aos cidadãos. Isto porque os direitos sociais, uma vez obtidos, transformam-se em garantia institucional e direito subjetivo, atuando a vedação ao retrocesso social como uma barreira limitadora da reversão dos direitos já conquistados. Um direito social, uma vez reconhecido pelo legislador, não pode ser arbitrariamente e desproporcionalmente extinto.

Não é de se esquecer, por derradeiro, que, no segundo semestre de 2008, o saudoso empresário, Senador e Vice-Presidente da República José Alencar costurou de forma bastante sábia e sem ofensas acordo político entre o governo e o Sistema S que resultou juridicamente em justa ampliação das ofertas das vagas em cursos técnicos e da gratuidade dos serviços de educação ofertados pelo sistema, todas incorporadas aos regramentos jurídicos das entidades aprovados institucionalmente por decreto presidencial, com aumento gradual até se chegar em 2014 aos dois terços dos recursos recebidos financiando vagas gratuitas em cursos de formação inicial e continuada e de educação profissional e técnica de nível médio oferecidos.

Conclui-se, assim, que diante da contínua tentativa de se reduzir o Estado – reformas administrativas e ideais liberais – o sistema “S” apresenta-se como um propulsor da cidadania, da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho, fundamentos da República expressos no art. 1º da Constituição. Essa atuação se destaca e ganha ainda mais importância na medida em que ela é feita para atender, principalmente, a trabalhadores, prestadores de serviços, empresários, comerciários e industriais, em setores estratégicos da economia, o que contribui, também, para a garantia do desenvolvimento nacional (art. 3º, II, Constituição), da erradicação da pobreza e da redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da Constituição). Portanto, para que essas entidades cumpram o seu propósito de promover serviços sociais não exclusivos do Estado com eficiência, é indispensável a obediência da garantia jurídico-constitucional da autonomia do sistema “S”, porquanto somente com uma gestão equidistante do Estado com a participação dos setores beneficiários dos serviços é que se verifica quais são as demandas realmente necessárias e se controla, em tempo real, a utilização dos recursos, evitando-se, do mesmo modo, as constantes tentativas ilegais e inconstitucionais de deformações fugazes das regras jurídicas das receitas, das despesas e a consequente descontinuidade de plataformas e diretrizes essenciais de ações dos serviços sociais autônomos.

*Edvaldo Nilo de Almeida, autor do livro Sistema S: fundamentos constitucionais publicado em 2021 pela editora Forense. Pós-Doutor em Direito Financeiro e Tributário da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em Democracia e Direitos Humanos do Ius Gentium Conimbrigae associado à Universidade de Coimbra. Pós-Doutorando em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca/Espanha. Doutor em Direito Público pela PUC/SP. Procurador do Distrito Federal

Publicado por Estagiários Jornalismo

30/07/2021 às 12:02

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